Artigo:
O cenário jurídico atual, consolida aos operadores do direito, notadamente o tributário, dia após dia, celeiro infindável, maquiavelicamente edificado e com amplitude draconiana acerca da desidratação do princípio da segurança jurídica.
Recentemente foi incorporado ao ordenamento jurídico o artigo 19-E, na Lei n.º 10.522/2002, redação esta que foi conferida pela Lei 13.988/2020, cujo norte prioritário à reflexão consiste: para a hipótese de empate em julgamentos do CARF, terão o voto de qualidade, os representantes dos contribuintes.
Referido artigo é objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal – STF, donde já em 24 de março de 2022, formava maioria pela constitucionalidade do novo regramento (ADIs 6.399, 6.403 e 6.415).
Recentemente, desconstituindo-se toda história afeta a modificação legislativa e a compreensão jurígena confiada a celeuma, optou o Executivo por editar a Medida Provisória (MP) 1.160/2023, a qual revisita a conturbada temática (que perpassou pelo Congresso Nacional e alcança êxito, ainda que não encerrado o julgamento no STF, pela declaração da constitucionalidade).
Neste contexto, exsurgem no seio do Poder Judiciário, inúmeros questionamentos acerca dos efeitos decorrentes da MP 1.160/23, notadamente, para a hipótese de empate, donde, pela nova exegese, migrou o voto de qualidade, aos representantes do fisco.
Esta reflexão não perpassará sobre o teor do art. 62 da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB, pois, pelo introito, tem-se que a relevância e urgência a ser emprestada a matéria, efetivamente encontram-se continentalmente distantes, e o objetivo é contextualizar a insegurança jurídica fomentada pela MP e decisões judiciais contraditórias.
Desta sorte, assola o crescente número de ações no Poder Judiciário visando a suspensão dos julgamentos no CARF, até que, 1- efetivamente a MP seja convertida em Lei, outras, 2- suspensão da proclamação dos julgamentos; 3- ocorra a pacificação do tema pelo STF ou Congresso Nacional.
Aqui a crítica a MP 1.160/23 exsurge como fundamental, porquanto altera substancialmente o procedimento e o resultado decorrente do julgamento do CARF, sem consciência da efetiva perenidade da medida provisória.
Este desarranjo, impõe e transfere enorme fardo ao Poder Judiciário, não para investigar os requisitos da relevância e urgência que justificariam a edição da MP, mas sim, para arrefecer outras demandas pós o período de vigência da MP, caso não se converta em lei.
A exemplo do estabelecido, concedendo-se a suspensão do julgamento de processos pautados para julgamento no CARF, tem-se os seguintes casos: Processo n. 1006765-81.2023.4.01.3400, Seção Judiciária do Distrito Federal, 4ª Vara Federal; Agravo de Instrumento n. 1002303-96.2023.4.01.000 do TRF1.
Por outro plano, decisões negando tal pretensão suspensiva: Processo 1005243-19.2023.4.01.3400; Processo n. 1005877-15.2023.4.01.3400, Seção Judiciária do Distrito Federal, 4ª Vara Federal; Processo n. 1005912-72.2023.4.01.3400, Seção Judiciária do Distrito Federal, 4ª Vara Federal.
Portanto, embora o hercúleo esforço dos juízes para desatar o nó górdio instituído pela MP 1.160/23, certo é que haverá aumento de ações e as decisões judiciais, no talante e trilho que endereçam, fomentam ainda mais insegurança jurídica, na precisa medida em que algumas decisões liminares suspendem, total ou parcialmente, os efeitos da MP, outros não.
Desta faceta, exsurge ao guardião da CRFB, Supremo Tribunal Federal – STF, atentar a seu efetivo desiderato e a razão da sua existência como instituição, voltar-se a questões de relevância e natureza constitucional, como juiz, decidindo o tema com a urgência que lhe é imposto.
Nesta linha de pensar, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, ingressou com uma ADIn, no dia 31 de janeiro de 2023, com vistas suspender o ato do Poder Executivo, cujo bem da vida consiste suspender os julgamentos ou, caso este venham ocorrer, e em caso de empate, suspensa a proclamação dos resultados, até que o STF decida o mérito da questão ou o Congresso Nacional converta em lei (ou não) a MP hostilizada.
Renomado doutrinador, Heleno Taveira Torres, estabelece via particular a vestimenta, quando afirma que o ‘paradoxo’ da segurança jurídica, pois, não obstante seja um princípio e valor protegido pelo Estado, ao mesmo tempo funciona como ‘garantia’ de outros princípios e valores, formais ou materiais, do ordenamento para sua preservação contras as hipóteses de insegurança geradas pelo Estado.
Essencialmente é necessário festejo aos princípios da democracia e do estado de direito, porquanto, a estabilidade e segurança no ordenamento serem imprescindíveis aos aplicadores direito, sem olvidar, os protagonistas deste intrincado cenário, fisco e contribuinte.
Assim, a eleição da Medida Provisória para tratar de tema árduo e complexo é fonte do equívoco, mormente pelo histórico recente de debates e decisões acerca da temática, ejetando-se e maximizando-se consectários jurídicos e financeiros, que tornam o problema ainda mais indigesto, com as intervenções realizadas pelo Poder Judiciário.
Em socorro, Alfredo Augusto Becker, na década de 60 testilhou com maestria e proficiência a consagrada expressão: manicômio jurídico-tributário. Hoje, o que diria, o saudoso mestre!?
Certo é, a insegurança jurídica deixou de ser um conceito acadêmico, hoje está materializada, desfilando como abre-alas na Sapucaí do carnaval tributário.
Autor: Raphael dos Santos Bigaton